quarta-feira, 12 de abril de 2017

Sobre um Radical...

Final do artigo de hoje do Contardo Calligaris sobre um Radical.
Segundo Daniel Koehler, do Girds (acrônimo para o instituto alemão de estudos de radicalização e desradicalização), há como saber se um indivíduo que se tornou radical, em sua relação com uma religião ou uma ideologia, poderia ou não voltar a ser cidadão de uma democracia. Quando possível, o Girds propõe um tratamento de desradicalização como alternativa à cadeia.
Koehler define a radicalização como uma forma de ignorância –voluntária ou involuntária, tanto faz: radical é aquele que só acredita numa explicação, que lhe parece exaustiva e total, ou seja, suficiente e valendo para tudo.
O radical não enxerga a pluralidade possível das explicações e das versões: ele é o famoso homem de um livro só.
"Timeo hominem unius libri", receio o homem de um livro só. Atribuída (misteriosamente) a São Tomás ou a Santo Agostinho, essa expressão já foi entendida assim: tenho medo do homem de um livro só porque, especializadíssimo, ele vai ser um debatedor especialmente afiado.
Hoje, vige o sentido moderno da expressão, pelo qual o homem que coloca fé num só livro, que leu apenas um livro (pior ainda se for o único livro que ele escreveu) é um perigo 1) para ele mesmo (porque ele será o escravo desse livro só, como dizia o grande Joseph Needham), e 2) para todos os outros, porque ele não aceita a complexidade, a pluralidade e o conflito que a realidade e a variedade dos livros sempre apresentam. O homem de um livro só é o radical descrito por Kohler.
Na terceira vez que alguém, numa conversa, cita o mesmo livro para justificar suas posições, não hesite, chame o Girds. Nenhuma exceção para a Bíblia, até porque o único livro que importa ao radical é sempre, para ele, a palavra de algum Deus.
Em contrapartida, a desradicalização proposta pelo Girds consiste em tornar a vida e o mundo mais complexos, em restaurar o presença de perguntas, dúvidas e adversativas no discurso do radical que é, em geral, feito de afirmações.
Você quer lutar contra a radicalização? Não simplifique, complexifique. E, mesmo se achar que você tem a resposta, prefira a pergunta.
(Leandro Karnal)

Vicário

Existe uma palavra de origem latina que gosto de usar: vicário. Significa “o que faz as vezes de outro” ou “o que substitui outra coisa ou pessoa”. Podemos usar a ideia de "vida vicária": a vida dependente de outro. São as pessoas que passam o dia na internet atacando tudo e todos, querendo um lugar ao sol, querendo fama e, desesperados,metralhando para todo lado. Vivem do ódio e do ressentimento. Não analisam ou discutem, apenas desqualificam e atacam. São pessoas de vida vicária. Alimentam-se da luz alheia e, no fundo são fãs de vetor trocado. Nada edificam, apenas apedrejam. Envelhecem amargos e solitários, independente da idade. Dependem do texto alheio para orientar o seu. Mendigam atenção dia e noite e mostram-se vicários, dependentes, subalternos e não protagonistas. Amigos enviam-me, por vezes, algumas pérolas destes seres. Quase nunca leio. Todos possuem direito a sua dor imensa. Gente de vida vicária sofre muito; isto é visível nos textos. A vida é curta. Prefiro produzir e amar. Quero aprender, ler, ensinar e publicar. Quero ser, cada vez mais. Meu desejo é ser protagonista da minha biografia e não vicário da alheia.